terça-feira, 30 de junho de 2015

Por quê o Syriza será o grande derrotado na questão grega

Aprendi algumas coisa com a experiência. Quando um país está incapacitado, por qualquer motivo, de pagar a sua dívida, duas situações podem se produzir: ou o país é pequeno e pouco relevante ou sua dívida possui um tamanho capaz de abalar os bancos credores e o sistema financeiro mundial. No primeiro caso, o país até pode ser socorrido por razões políticas, diplomáticas ou humanitárias, mas em geral, o problema é dele. No segundo caso, o problema é de todos. Como diz o ditado, se eu devo um milhão, eu tenho um problema, mas se eu devo um bilhão, o banco tem um problema.

Crises bancárias são assunto muito sérios. Podem contaminar toda a economia e produzir recessões dolorosas. Nenhum governo quer passar por isso e em geral os bancos são socorridos, seja qual for o preço político. Para um exemplo recente, basta lembrar da crise americana em 2008. Portanto, quando um país devedor ameaça falir o sistema financeiro internacional, ele é socorrido, pelo menos no nível mínimo capaz de evitar a falência do sistema.

Podemos pensar: mas que mundo injusto o que estamos vivendo, então os gregos foram socorridos não por razões humanitárias, mas porque os alemães, franceses, italianos e outros não queriam ver os seus bancos quebrados e suas economias em recessão? Sim, é isso. Coloque-se na pele de um político alemão justificando a razão pela qual o dinheiro do pagador de impostos alemão deve ser dado à Grécia, onde a aposentadoria pode ocorrer aos 54 anos enquanto um alemão deve esperar os 65.

Quem empresta quer receber de volta. Essa é a razão pela qual se exigem programas de ajuste econômico como condição para o socorro financeiro. Os emprestadores querem ter a certeza de que, no longo prazo, o país vai gerar os recursos para pagar sua dívida. Afinal, não se pretende sustentar o país devedor para sempre e não se está falando em doações a fundo perdido. Ninguém quer sustentar um adolescente para sempre.

Outra coisa que a experiência nos ensina é que, rapidamente, o devedor aprende que não é ele que está sendo socorrido, mas o sistema bancário. Sendo assim, ele não precisa se comportar completamente bem. Se aceitar o plano de ajuste, será socorrido. Mas se apenas fingir aceitar, será socorrido também. Como não é fácil para nenhum político dizer ao povo que a hora da austeridade chegou, então o melhor estratégia para ganhar tempo é fingir aceitar a austeridade, aplicá-la no menor grau possível e seguir recebendo os recursos, também liberados no menor grau possível para evitar a quebradeira finaceira. Uma retórica bem esquerdista ou de confronto pode ser adotada pelo devedor, afinal os recursos serão recebidos de qualquer forma.

Essa situação não dura para sempre. Se os credores percebem que a intenção do devedor é ser eternamente financiado, começam a se preparar. O tempo permite que os bancos reduzam sua exposição ao risco grego. Acabam os novos empréstimos, alguns são pagos com os recursos do socorro, os bancos vendem seus ativos gregos, fazem seguros ou hedges para eles ou mesmo acumulam provisões. Alguns anos depois, a dívida ainda é problema, mas já dá para absorver o golpe.

Nesse exato momento, não há mais razão para financiar o devedor. Então, tudo passa a depender da atitude e das características dele: está disposto a aceitar austeridade para pagar no futuro? É um aliado geopolítico importante? Até onde sua crise poderá se espalhar por outros países? Os credores simplesmente podem concluir que sai mais barato absorver os problemas que vão decorrer da falência do que seguir financiando o país.

Cortado o financiamento, a Grécia fica sem dinheiro até para pagar os funcionário públicos e os aposentados. Isso vai acontecer no dia de hoje, 30 de junho. Então, são introduzidos os "controles de capital". O nome é pomposo e muito esquerdista defende essa medida como a quintessência da política econômica popular. Na prática, "controle de capitais" significa que você não pode ir ao banco retirar o seu dinheiro, pois ele não está mais lá esperando por você. Um grego hoje está limitado a sacar E$ 60,00. Só que ninguém mais encontra caixas eletrônicos com dinheiro. Os bancos e todas as instituições financeiras estão fechadas.

Essa é a hora da verdade para o Syriza. As opções são:
1) decidir recuar e aceitar o acordo oferecido dizendo ao país que, lamentavelmente, a austeridade é mesmo necessária, o que é uma falência política para um partido que disse o contrário todo o tempo.
2) decidir recusar o acordo e dizer aos gregos que, como não há mais euros para pagar contas, o governo está relançando a dracma. Os depósitos bancários, os salários e as aposentadorias estão convertidas para dracmas. Obviamente a dracma não será aceita no resto da Europa e a nova moeda vai desvalorizar fortemente em relação ao euro, empobrecendo, de maneira súbita e profunda, os gregos, o que também será uma falência política para o governo de plantão.
3) não decidir.

O Syriza optou pela terceira alternativa. Como Pôncio Pilatos, perguntará democraticamente ao povo se prefere Jesus ou Barrabás. Assim, se perder o plebiscito, o Syriza pode deixar o governo dizendo que o paraíso já estava à vista, mas o povo não o quiz. Democrático que é, o Syriza segue em frente: a luta continua! Se vencer, o plebiscito, sempre poderá dizer que aplicou um política que era o desejo nacional, da maioria do povo.

Podem estar certos de uma coisa: se a Grécia sair do euro, o país entrará em crise econômica e política profunda. A Europa nem tanto. Erros de avaliação acontecem, mas se os europeus estão peitando a Grécia é porque avaliam, certo ou errado, que estão em condições de absorver o choque. Há quem tema que estejam errados. Alguns analistas propõem seguir socorrendo a Grécia para minimizar este risco. Para eles, ainda não é o momento de roer a corda.

Uma palavrinha sobre os Estados Unidos e a Inglaterra. É fácil para estes países pedir clemência para a Grécia. O dinheiro não sai do bolso deles, mas dos alemães, franceses, holandeses e outros sócios no euro. Se os americanos acham muito duro o que está sendo feito com a Grécia, nada os impede de emprestar dinheiro ao país, ou organizar um socorro internacional passando o chapéu para o Reino Unido, o Canadá, Japão, China, Austrália etc. Eles não farão isso, mas vão criticar a dureza da Alemanha. Outra coisa que aprendi com a experiência é que a caridade é sempre mais barata quando feito com o dinheiro alheio.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A direita e a Universidade brasileira

Toda democracia estável possui pelo menos um partido ou um bloco de partidos de esquerda democrática e outro correspondente de direita democrática. Para essa regra não é possível apontar uma única exceção. Os dois lados possuem seus intelectuais, seus pensadores, seus publicistas, seus artistas, seus líderes doutrinários e políticos. Como há alternância e uma dura competição, os dois lados se refinam. Entre os políticos, por exemplo, os bufões ou grosseirões costumam ser postos de lado, superados por homens e mulheres sérios (embora esta regra tenha algumas exceções).
No Brasil, estamos em falta das duas coisas. A esquerda é populista, autoritária e extraordinariamente corrupta. A direita, por sua vez, nem sabemos direito quem é. Hoje, poucos partidos e parlamentares assumem-se confortavelmente, como direitistas. O PSDB se diz social-democrata e, de fato, o é. No mundo das ideias, então, o descompasso é ainda maior. A direita foi praticamente banida das Universidades, dos meios intelectuais, artísticos e jornalísticos. Até nos meios jurídicos, ela está em retirada, se tivermos como perspectivas as últimas décadas. 
Como qualquer professor ou artista sabe, nesses meios, quem se assume como de "direita" cria dificuldades para si na vida. Intelectuais e artistas "de esquerda" dominam os centros de financiamento e legitimação e orientam, por mecanismos sutis, o discurso que deverá ser repercutido. Quem não se adequa, estará prejudicado na competição pela carreira. Assim, ser "de direita" é como estar disputando uma corrida na qual os outros correm livres, mas você está carregando um haltere de dez quilos em cada mão.
Banida das Universidades e das artes e enfraquecida no meio jurídico, a imagem pública que temos da direita no Brasil de hoje é, infelizmente, a do insulto e da grosseria. É terrível ser conservador e ter que passar certos constrangimentos como um deputado se portando de forma, digamos, pouco polida....Tudo o que a esquerda, agora pega com a boca na botija, precisa desesperadamente é que a direita pareça machista, intolerante e violenta. E ela consegue exatamente o que precisava!
Aqueles que, como eu, gostam de se dizer "de direita", precisamos reconhecer o problema. Nossa direita ainda é muito tosca. Ficou restrita aos meios militares e de segurança, onde os homens tem que ser disciplinados, com espírito de equipe, determinados e destemidos, mas não necessariamente refinados ou sutis. Como professor não me sinto nem um pouco melhor do que militares ou policiais. Eu não arrisco minha vida quando estou trabalhando. Até por isso, posso me refinar. 
A direita precisa, urgentemente, para deixar de ser primária, retomar o seu espaço nas Universidades nas artes e nos meios intelectuais. O grande filósofo estóico Plutarco dizia que um dos proveitos que podemos tirar dos inimigos é que eles são absolutamente sinceros com relação aos nossos defeitos. Quem aspirar elevar-se, deve ouvir atentamente a crítica do inimigo. O inimigo diz que somos toscos. Somos mesmo. Intelectuais e artistas "de direita", mãos à obra. Há um mundo a conquistar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O papel das redes sociais ou por que a ficha está demorando para cair?

Você conhece quantos eleitores do Collor? Imagino que bem poucos. Quase todas as pessoas com mais de 45 anos completos hoje estavam aptas a votar no pleito de 1989. Pergunte aos maiores de 45 anos em quem eles votaram: Lula ou Collor. Eu garanto que até bem pouco tempo atrás, você não encontraria quase nenhum eleitor do Collor (hoje tenho dúvidas, pois há até quem defenda intervenção militar... ). Mas, se ninguém votou nele, como ele pode ganhar? 
Pois é, não havia facebook. Ficou fácil voltar atrás, esquecer ou mesmo esconder o passado. Como ninguém havia postado banner do Collor; seu rosto emoldurado de Collor; o hino do Collor; as promessas de campanha e, fundamental, a acusação de que Lula sequestraria os recursos das Cadernetas de Poupança, era só tocar a vida e contar uma mentira inofensiva: na verdade, votei no Lula.
Agora é diferente. O sujeito vai ao facebook e, na sua ignorância, paramenta-se do erro político da vez. O problema que isso cria para o destino das sociedades é que fica difícil voltar atrás. Afinal, como diz o ditado popular: é muito mais fácil enganar alguém do que convencer alguém de que foi enganado. O problema básico é de auto-estima: quem engana quase sempre massageia o ego do enganado. Mas quem tenta demostrar a alguém que ele foi enganado, destrói sua auto-imagem e revela sua ignorância. 
Então a luta será rua por rua, casa por casa. Uma batalha de Stalingrado virtual. As pessoas não vão se render tão facilmente. Elas vestiram a mentira, então não dispõem de meios fáceis para se livrar dela. Essas pessoas não terão a opção que alemães tiveram, ao poder queimar todas as fotos e relíquias do tempo nazista, na medida que os russos se aproximavam. Naqueles tempos, alguns, melhor posicionados, até conseguiram providenciar uma filiação de última hora ao partido comunista. Não vai ser assim. Esse povo todo que dilmou e compartilhou isso com o mundo, deixou inscrito na história do Brasil, para consulta dos futuros historiadores e biógrafos, de que lado esteve na disputa de 2014.
Nós não sabemos quem elegeu Collor, pois seus eleitores se dispersaram. Mas, graças ao facebook, saberemos exatamente os que elegeram Dilma. Então, meus caros, eles não vão entregar os pontos facilmente. Estejamos, pois, preparados para uma longa luta democrática, de convencimento, meios e manifestações pacíficas. Mas contínuas e insistentes, para não deixar dormir os que estão com dor de cabeça. Pois importante não é só erradicar o erro político da vez, mas nos educarmos sobre suas causas e consequências. Só assim, podemos dificultar a repetição das falhas e construir uma democracia.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Em defesa da legitimidade da esquerda política e contra a autocracia petista

Eu não sou mais de esquerda, basicamente porque considero que as políticas de combate à pobreza aumentam o número de pobres. Em geral, as medidas que supostamente combateriam a desigualdade acabam reduzindo o crescimento econômico e, portanto, aumentando a pobreza. O que se passa na Venezuela, na Argentina, em Cuba ou na Coréia do Norte é um evidência disto.
Entretanto, temos que reconhecer que a esquerda democrática é uma posição política legítima. Equivocada, segundo nosso ponto de vista, mas legítima. Em todas as democracias do mundo, absolutamente todas, há sempre um partido ou um bloco de esquerda. Se queremos construir uma democracia no Brasil, temos que aceitar a ideia de que um partido de esquerda democrática fará parte da paisagem. Eu serei adversário (veja bem, adversário, não inimigo) dessa corrente.
Um coisa importante, porém, é perceber que o PT vem se desqualificando para ocupar esse lugar. Em primeiro lugar, está ficando claro que o PT não tem qualquer compromisso com a democracia. Se, para se manter eternamente no poder, o partido tiver que atacar a democracia e até mesmo implantar a sua ditadura, está claro que ele não hesitará. Vai sempre recorrer ao discurso de ódio, do "nós contra eles", destinado a dividir a sociedade, à pressão sobre os meios de comunicação, à corrupção do Congresso e do Judiciário. tudo isso vem fazendo parte do cardápio bolivariano que o PT está cozinhando. 
Outro ponto é a corrupção. Não vou me estender sobre isto, pois as notícias estão ai, se sucedendo em velocidade alucinante. A corrupção petista não é igual a que existe no País desde sempre. É pior, pois visa mais do que o enriquecimento de uma elite parasitária. Visa a perpetuação dessa elite no poder como autocracia. Visa, portanto, destruir lentamente a democracia.
Marina e a Rede, o PSB, o PPS, o Eduardo Jorge, o PV e o PSDB são diferentes. São forças democráticas. Portanto, são adversários legítimos. Tem que haver um lugar para eles na democracia e também para novos grupos e partidos de esquerda democrática que venham a surgir. 
A direita antiquada e anti-comunista faria um bem a si própria se concentrasse os ataque na organização criminosa que capturou e desvirtuou o PT e parasse com esse discurso que equipara todo mundo, no diapasão do "é tudo Foro de São Paulo". Falam, no melhor estilo das teorias conspirativas, como se houvesse uma articulação centralizada, comandada a partir de Cuba, que une desde o PSDB até o MST! Esse discurso basicamente nos prejudica, pois levanta temores na esquerda democrática. Será muito mais difícil derrotar o PT sem a ajuda dessa esquerda democrática.
Por outro lado, a esquerda democrática faz um bem a si própria quando descola do PT e assume um caminho próprio. Marina, Eduardo Jorge, o PSB, PPS e o PV tiveram a coragem de apoiar Aécio no segundo turno e romper com o bloco petista. E foi isso que fez a candidatura do Aécio mudar de patamar.
Mas parece que uma parte da direita ainda não percebeu isso, ou não quer perceber. Afinal, o que essa parte da direita política quer no curtíssimo prazo: banir a força anti-democrática que o PT representa ou afirmar-se a si mesmos como "salvadores da Pátria"? Se o objetivo é tirar o PT do poder, a mais ampla frente deve ser construída e nela devemos incluir Marina, Eduardo Jorge, Roberto Freire etc. Agora, se o objetivo é só se credenciar como força emergente, enquanto o PT governa e se consolida, então vale ficar fazendo marketing de nicho e sair criticando tudo e todos. 
Essa é uma importante questão de escolha. Sair atirando contra todo mundo faz você ficar parecendo bem radical, bem "coerente", mas o PT colhe os maiores benefícios disso, pois esse radicalismo afasta os centristas e a esquerda moderada da luta contra o governo. Enfrentar o PT não é para amadores.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O PT e o ciclo político

Você petista que está indignado com as nomeações de Joaquim Levy e Katia Abreu merece a minha simpatia, pois você está sendo vítima de um estelionato. Venderam-lhe gato por lebre.

O que precisa ser entendido é que o PT não é mais um partido de esquerda ou de direita. É apenas uma espécie de PTB getulista. Um PMDB dos sindicatos e movimentos. Em resumo, um partido fisiológico, integrado também por quadrilhas de corruptos, mas que manipula com maestria certos símbolos caros à sua base social e a toda uma geração.

Uma certa direita primitiva ajuda a dar credibilidade ao PT "ideológico". Falam em reconstrução da URSS, em Pátria Grande Socialista e coisas do gênero. Há toda uma teoria conspirativa em torno do Foro de São Paulo, que não passa de uma imensa bobagem.

Não quero dizer que o PT não seja perigoso ou autoritário. Ele é. Mas não possui mais projeto político, só projeto de poder. Querem ficar lá para sempre, se locupletando, seja como for e governando com e para as grandes empresas, desde que as propinas sejam pagas.

Que novidade há em partidos se articulando numa organização internacional? Todos fazem isso (os de direita também). Na esquerda, é assim desde que Marx e Engels fundaram a I Internacional, no século XIX. Essa retórica em torno do Foro é feita sob medida para despertar o nacionalismo dos quartéis. É apenas uma justificativa para se pedir a tal intervenção militar, solução favorita dos que não acreditam na democracia e na força da própria sociedade para encontrar os seus caminhos.

Essa direita é muito útil ao PT. Quando todos estão prestes a abandonar o barco, fartos da corrupção, surge meia dúzia de malucos com pinta de fascistas e com saudades da ditadura. Exatamente o que o PT precisava para re-coesionar toda a sua base com o discurso: "pode haver corrupção, mas somos o partido de esquerda e democrático que resiste ao fascismo e blá, blá, blá... Voltam as imagens dos torturados, novas investigações da Comissão da Verdade e por ai vai.

Embora o PT não seja mais um partido de esquerda, você petista histórico sempre poderá matar a saudade do seu velho partidão. Afinal, temos eleições a cada dois anos. Tudo bem, você terá que amargar algum nível de ajuste fiscal em 2015. Você pode até ser gozado pelos seus amigos, mas lá para abril de 2016, pode contar: o PT esquerdista estará de volta, dividindo o país em nós e eles, destruindo amizades e plantando ódios de classe, regionais, raciais e religiosos. Fechadas as urnas municipais, o assunto será: para quanto aumentaremos o ônibus? E a vida segue em Pindorama!

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Sobre meritocracia e desigualdade

Sou pela meritocracia, pois se os melhores forem promovidos, todos serão incentivados a melhorar e a sociedade sairá ganhando pois, para cada função, será escolhido o mais apto. Mas reconheço que nunca teremos oportunidades iguais, pois as famílias são diferentes. Nascer numa família na qual as pessoas estudaram, viajaram, falam e lêem diferentes idiomas é muito diferente de nascer numa família na qual os pais têm poucos estudos e pouco tempo para dedicar aos filhos. Claro que a escola pode e deve ser igual para os dois, mas isso não garante a igualdade absoluta de oportunidades. Isto simplesmente não existe, pois o capital cultural é transmitido sobretudo pela família. 
Aliás, boa parte da desigualdade vem da natureza. Por que algumas mulheres são mais bonitas do que outras? Por que alguns são mais altos e mais fortes que os outros? A ideologia da igualdade absoluta é simplesmente a liberação do direito à inveja. Há cada vez mais meninas bonitas sendo agredidas por meninas invejosas. Agressões duras, destinadas a eliminar a beleza e restaurar a "igualdade de oportunidades". Infelizmente, está se banalizando. Os gordos também reclamam que são discriminados e querem mudar ou anular o que consideram ser "o gosto imposto pela sociedade". Como se sexo tivesse mais relação com moda do que com instintos desenvolvidos ao longo de milhões de anos de evolução da espécie. 
Antigamente a religião ajudava a frear esse terrível sentimento que é a inveja e tentava promover a caridade como forma de compensação das desigualdades. Com o descrédito das religiões, a inveja virou virtude cívica e a caridade obrigação do estado. Só que quem ia a uma Santa Casa nos tempos idos era tratado por pessoas que desejavam tratar os outros e acreditavam que isso as aproximava de Deus. Agora são atendidas em hospitais públicos por funcionários públicos que podem estar em greve por aumento de salários. Não sei se a religião deveria ou não voltar, mas a caridade deveria. A condenação da inveja também.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Sakamoto defende a disciplina do mercado livre

Acabo de ler um texto fantástico do Sakamoto. Imperdível. Não é ironia. Sei que ele escreve com o fígado, mas nesse impulso nos apresentou coisas muito interessantes e importantes. Sugiro que leia o Sakamoto e depois volte ao parágrafo seguinte.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/10/15/sao-paulo-merece-e-precisa-viver-o-horror-da-falta-de-agua/

Três coisas são dignas de atenção no artigo do Sakamoto. Primeiro, ele reconhece o fracasso do estado e da política em organizar nossas vidas. Realmente, acreditar que há políticos cuidando de tudo e que podemos dormir tranquilos é ser um tanto ingênuo. Sei que ele gostaria mesmo é dizer aos paulistas que falhamos em reconhecer os bons. Talvez. Se na eleição passada tivéssemos votado no Mercadante, poderíamos ter água em abundância para nadar de braçada ainda que não chova. Ou teríamos um escândalo na Sabesp. Quem pode saber? O fato é que costuma não dar certo em parte alguma. Se os bons existem, o povo falha em reconhecê-los.

A seguir, ele adiciona a ideia que deixar as coisas correrem o seu fluxo natural (o que um economista liberal chamaria de "deixar o mercado funcionar") é a solução. Não tenho como não concordar. Agindo livremente nos seus negócios privados, as pessoas cometem erros e alguns podem ser bem graves. Mas, como sofrem diretamente as consequências dos erros, podem aprender. O realismo do mercado livre, no qual as pessoas têm até mesmo o poder de desperdiçar recursos preciosos, pode impor situações muito duras. Sempre que consome algo, há uma conta a ser paga, às vezes na forma de escassez. Mas é reconhecendo a realidade, as limitações, a escassez e as consequências dos próprios erros que os homem aprendem e se civilizam. Não resolve nada desejar ser protegido por um estado-babá. Na hora H, ele falha.  Nem que seja porque nós falhamos em eleger os melhores. Há um tipo de pessoa que não quer aprender nada com isso, pois segue o clamor por mais estado, mais intervenção ou a troca dos gestores, embora haja pouco ou nenhuma evidência de que fariam um papel melhor.

Por último, Sakamoto ainda reconhece que o preço é um importante sinal social. Concordo de novo. Há muito se sabe que, quando um bem ou serviço fica mais escasso ou mais desejado pelas outras pessoas, haverá uma alta de preços, salvo se outras condições do mercado mudarem (como uma tecnologia que reduza os custos de produção, por exemplo). As alterações de preços são simples reflexos das mudanças nas condições de produção de um bem, do poder dos produtores sobre o mercado ou do grau de necessidade ou desejo existente pelo bem na sociedade.  Preços são sinais sociais, produzidos por uma interação complexa onde todos nós influímos, embora de forma desigual e, às vezes, profundamente desigual. Se um preço é alto devido ao monopólio o problema não está no sistema de preços, mas no monopólio. Não devo congelar o preço, mas sim promover a concorrência. Preços são sinais sociais que o estado e os políticos deveriam olhar com bastante respeito e prudência. Sempre é bom pensar dez vezes antes de intervir em algo tão complexo e delicado pois o conjunto das consequências nunca pode ser totalmente antecipado. Acontece o mesmo quando interferimos em sistemas naturais. Nem tudo pode ser previsto.

Afinal, qual a diferença entre o que o artigo diz e o que um economista ultra-liberal diria? A que existe entre o fígado e a teorização racional. Racionalmente, é melhor enfrentar uma crise ambiental e virar uma pessoa melhor depois disto do que ser guiado por governos autoritários que alegam saber o que é bom para nós. Melhor cometermos nossos próprio erros. Se cedermos a liberdade ao estado dominador em troca de uma vida mais confortável, vamos perder o conforto e acabar vivendo como escravos.

Não há economistas no mundo capazes de montar um sistema que funcione melhor que o mercado. Toda forma de planejamento centralizado tentada até hoje falhou. No fundo, Sakamoto acredita muito mais do que os economistas no estado dos nossa ciência, o que é natural. Sou profissional de economia há muitos anos. Sei muito bem o que o planejamento não pode entregar. Um dos problemas da democracia é que o leigo em economia, ou seja, a imensa maioria da humanidade, facilmente pode preferir os economistas e os políticos que afirmem ter soluções superiores às que a democracia e o livre mercado podem gerar. Eles garantem que, se tiverem um pouco mais de poder, podem nos entregar uma vida melhor. É só uma ilusão, mas, quando as pessoas pedem o impossível, só os mentirosos podem satisfazê-las.